Sobre relacionamentos abusivos e o quanto é difícil perceber que se está em um

11.4.17

Fonte da imagem: Blog Femizade
Vejam bem, eu não gosto de BBB. Já gostei, já acompanhei, mas de umas 10 edições para cá, não tenho mais saco para ver. Mas a situação ocorrida agora na reta final da edição 17 entre o casal Marcos e Emilly me fez querer escrever sobre isso. Porque SIM, foi agressão. E não apenas porque ele deixou o braço dela marcado. Foi agressão psicológica e moral também. E não, eu não gosto da Emilly: acho ela mimada, egoísta, manipuladora. Mas isso não diminui a agressão sofrida. Isso não a desqualifica enquanto vítima.

Como a maioria das vítimas, ela mesma ainda não parece enxergar a gravidade da situação na qual se envolveu. Não parece aceitar que aconteceu agressão e se culpa por “ter prejudicado ele”. Como a maioria das mulheres agredidas, se sente culpada pela agressão e pelas consequências trazidas ao agressor que, querendo ou não, é alguém que ela ama. Como a maioria delas, fecha os olhos perante a situação com a desculpa de que “ele é um cara bom, só está passando por um momento difícil”. Quando as marcas são na alma, são mais difíceis de ver mesmo.

Eu mesma demorei para enxergar as minhas. Porque como ela e como muitas mulheres, passei por um relacionamento abusivo também. Nunca sofri agressão física (porque ele não era burro o suficiente para levantar a mão para mim. Sabia que se fizesse isso eu jamais o perdoaria e isso teria consequências legais para ele), mas às vezes a agressão moral e psicológica dói mais do que uma surra. Logo eu, feminista, desconstruída, empoderada, não enxergava que o homem que eu então amava só me fazia mal. Ou melhor, no fundo eu até sabia, mas não conseguia me imaginar sem ele.

Violência assume diferentes formas. É preciso saber reconhecê-las.
Fonte: Blog Desparadigmando
Foram quase sete anos ao lado dessa pessoa. No início, ele, dez anos mais velho que eu, era um príncipe. Dizia tudo o que eu queria e precisava ouvir. Prometeu mundos e fundos para mim e disse que me faria a mulher mais feliz do mundo. Mas isso durou cerca de uns dois anos, no máximo. Depois disso, começaram as piadas sem graça sobre o tamanho da minha bunda, sobre como meu nariz era grande e feio (detalhe é que o dele era maior que o meu) e sobre o “fato” de que ele me amava, mas que do jeito que eu sou ninguém mais seria capaz disso. E o pior de tudo? EU ACREDITAVA. Era insegura o suficiente para achar que seria quase impossível achar outra pessoa que “me amasse como ele amava”. Que eu era exigente demais, que os homens eram todos iguais e que eu tinha que me conformar com o que a vida me dava.

Depois de ir minando minha autoestima, comecei a perceber (e minha família toda e amigos também) que ele se incomodava com as minhas conquistas. Tinha inveja mesmo! Chegou ao ponto de tentar estragar a noite da minha formatura por eu estar me formando antes dele (sendo que ele entrou na faculdade muito antes de mim). Se eu comprava ou ganhava alguma coisa, ele debochava, desdenhava e fazia eu me sentir mal com a nova conquista.

Além disso, fui me afastando de todos por causa dele. Minha família não gostava dele e, por vezes, deixaram de me convidar para eventos por saberem que se eu fosse ele iria junto. E ninguém mais aguentava ver a forma como ele me tratava. Meus amigos deixaram de me convidar para sair, porque sabiam que eu negaria “porque o Fulano não deixa”. Ele sentia ciúmes até da minha sombra e as brigas, nas quais ele sempre me culpava por tudo, eram constantes. Ele nunca admitia que estava errado. E quando o fazia depois de eu muito chorar e ameaçar terminar, era apenas para calar a minha boca e me fazer desistir de romper com ele.

Perdi as contas também de quantas contas ajudei ele a pagar e de quantas coisas ele me pediu para “tirar no cartão que depois me pagava”. Eu tinha algo fixo, ainda que fosse um estágio. Ele pulava de emprego em emprego porque “nada estava no nível dele, que era bom demais para trabalhos medíocres”. E assim eu seguia arcando com as contas dele e segurando as pontas que ele deixava soltas.

Sempre que tudo isso começava a ficar insuportável e eu me decidia por terminar o relacionamento, ele fazia drama, chorava, prometia que ia mudar e eu acreditava. Ele mudava por algumas semanas, eu criava esperanças, depois tudo voltava a ser como antes. E eu sempre acreditava que, daquela vez, poderia ser diferente e que o cara que me conquistou apareceria novamente dentro daquele que eu já não reconhecia. E assim eu decidi ir morar com ele, mesmo contra os protestos de todos que me amavam.

Ao morarmos juntos, as coisas só pioraram. Porque, além de tudo isso, ele achava que teria uma empregada. Eu chegava em casa tarde da noite, depois de um dia cansativo de trabalho, e o encontrava de cueca, jogando vídeo game e me perguntando que horas sairia o jantar porque ele estava morrendo de fome. Não bastasse isso, as crises de ciúmes pioraram e ele afirmava que eu chegava tarde por “estar com homem na rua”, quando na verdade eu trabalhava igual a uma condenada.

Por fim, depois de muito chorar, sofrer e ouvir de todos que eu merecia coisa melhor, abri os olhos e vi o quanto aquele relacionamento me fazia mal. O quanto era tóxico passar por tudo aquilo e o quanto estava me matando aos poucos. E tomei, enfim, a decisão de terminar. Mas se para mim, que sou instruída, estudada, que nunca fui rica, mas sempre estive longe da miséria, que não tinha filhos que dependessem de mim e que tinha a casa do meu pai de portas abertas para me receber de volta, demorou quase sete anos para que eu enxergasse o que estava na minha frente, imagina para quem está numa situação mais complicada que a minha? 

Fonte: GWS Mag
Hoje, depois de muita terapia e de abrir meu coração novamente, ainda que com medo de me machucar, encontrei um companheiro, melhor amigo e namorado que me trata tão bem de uma forma que eu nem imaginava que seria possível um homem me tratar. Me libertar do relacionamento anterior, aprender a me amar e me envolver no atual relacionamento me proporcionaram as melhores sensações de liberdade que já experimentei. Hoje sei o que é ser feliz com alguém.

Então não me venham com “ela merece”, “ela procura”, “não larga ele porque é burra”, “sempre volta atrás”, “essa gosta de sofrer”... A questão é muito mais complexa do que sequer pode imaginar a mente de quem nunca passou por isso. O dever da sociedade é oferecer suporte a essas mulheres e mostrar que lutaremos por todas para que elas possam sair desses relacionamentos tóxicos. O dever de cada um não é de apontar o dedo, mas de abrir os braços. E sim, é punir os culpados pelas agressões para que eles não continuem acreditando que podem fazer tudo isso e ficarem impunes. MACHISTAS E AGRESSORES NÃO PASSARÃO.

#EuViviUmRelacionamentoAbusivo

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